Cineclube Kalunga exibe "Infiltrado na Klan" no CineUFG

Por Cecília Fernandes - quinta-feira, maio 30, 2019

Sessão do projeto apresentou o ganhador do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, dirigido por Spike Lee e inspirado em obra biográfica. Após a sessão, houve debate entre discentes negros, organizadores do Cineclube e participantes da exibição.
Ron Stallworth (John Washington) e Phillip Zimmerman (Adam Driver) em cena do filme Infiltrado na Klan. Reprodução: Universal Pictures International France 
Na última terça-feira (29) o Cineclube Kalunga exibiu o filme “Infiltrado na Klan” (2018) no Cinema da Letras, no Campus Samambaia da Universidade Federal de Goiás. Após a exibição do filme houve um debate com as responsáveis pelo projeto, em conjunto com a professora Tânia Rezende, do Departamento de Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Letras (FL-UFG), e com a professora Luciene Dias, da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC-UFG).

Dirigido por Spike Lee e produzido por Jordan Peele, o filme Infiltrado na Klan narra a trajetória do protagonista Ron Stallworth (John David Washington), o primeiro policial negro atuando em Colorado, Estados Unidos. O enredo acompanha a atuação de Ron como agente infiltrado na Ku Klux Klan no ano de 1978, sabotando ações de crimes de ódio para proteger os cidadãos negros da região. Com duração de 2 horas e 16 minutos, o filme utiliza do gênero comédia policial para relatar acontecimentos reais e biografados no livro Black Klansman, publicado pela editora Flatiron Books em 2014, sob a autoria de Ron Stallworth.

Cineclube Kalunga
De acordo com a Diretora Geral do Cineclube Kalunga, Hellen Stephanye Rosa de Oliveira, o projeto surgiu a partir das discussões do Coletivo Negro Universitário (CONU) e com outros cinéfilos participantes do Cineclube Vingador Tóxico, a respeito da representatividade negra na indústria cinematográfica e do racismo institucional. “No final de um debate após a exibição do filme Verônica, decidi abrir um cineclube, como uma maneira de levar essas discussões e o cinema para a população negra periférica, não só de Goiânia, mas também para outros municípios de Goiás.”, explica Hellen.

A escolha do filme Infiltrado na Klan para a última sessão envolveu questões como a direção de Spike Lee, um homem negro em evidência na indústria cinematográfica, o próprio valor histórico relacionado ao enredo de um policial negro enfrentando uma organização como a Ku Klux Klan e as críticas desenvolvidas ao longo da produção. “O filme faz com que nós, negros na sociedade, tenhamos um pensamento crítico por uma outra perspectiva. É uma desconstrução imensa”, afirma a Diretora Geral a respeito da seleção do filme para a sessão.
Participantes da sessão ocupam maior parte dos assentos no Cine UFG. Foto: Cecília Fernandes
Com divulgação feita pelo Instagram oficial do Cineclube e pelos envolvidos na iniciativa, o evento contou com participantes de diferentes institutos e graus de ensino. A ocupação de 123 das 156 cadeiras disponíveis no Cine UFG foi incentivada por docentes que participaram da mesa de debate, como o caso da professora Tânia Rezende que levou os estudantes da sua turma para participarem da sessão e das discussões posteriores.

“Eu tinha muita vontade de assistir ao filme, mas não conseguia o acesso a ele. O incentivo da professora a participar do evento me auxiliou a ver o filme dentro da perspectiva das discussões levantadas, o que acabou sendo enriquecedor”, explica a estudante Karoline de Sousa, do curso de Letras Linguística e da disciplina Diversidade Linguística e Direitos Humanos, orientada pela professora Tânia Rezende.
Publicação no Instagram oficial do Cineclube anunciando os detalhes do evento. Reprodução: Instagram
Um negro na Klan
O filme Infiltrado na Klan narra acontecimentos da década de 70 nos Estados Unidos, período em que a segregação racial, herança da Guerra da Secessão, estava sendo desconstruída e combatida por parte dos movimentos sociais negros em ascensão. Conhecido como “a era dos linchamentos” a narrativa do filme se insere em um período histórico de conflitos raciais e religiosos, em que a população negra dos Estados Unidos buscava se organizar a favor da igualdade de direitos enquanto enfrentava violência policial, social e política.
No livro “A História dos Estados Unidos”, Leandro Karnal apresenta como os pensamentos segregacionistas originaram movimentos extremistas como a Ku Klux Klan e foram responsáveis pelo aprofundamento do racismo arraigado na sociedade. "Nos anos de 1871 e 1872, o governo federal aprovou leis e tomou previdências que contiveram o avanço dessas organizações.", escreve Karnal, "Mesmo assim outras semelhantes surgiram no Sul, contando com a complacência dos governos locais. A Klan reapareceu na Geórgia, em 1915. O século XX abriu-se com 214 linchamentos promovidos por organizações racistas apenas em seus dois primeiros anos", conclui.

Apesar do surgimento da Klan ser anterior ao período retratado no filme de Spike Lee, o tema racismo nos Estados Unidos é elemento principal do filme, desde as críticas até as referências retiradas da vida social atual no país, como com o caso de Charlottesvile em 2017.
Ao ser questionado a respeito das críticas ao governo atual de Donald Trump, Spike Lee respondeu ao jornal Estado, em Londres, que os acontecimentos em Charlottesville serviram como forma de fazer um filme contemporâneo que se passasse em 1970. “Historicamente, grandes trabalhos foram feitos em tempos difíceis. Nos Estados Unidos, durante o movimento pelos direitos civis, tivemos Aretha Franklin, Curtis Mayfield. Hoje, não é diferente.”, explica o diretor sobre a produção.

Blackspoitation
O filme de Spike Lee revisita o período do blackspoitation, movimento cinematográfico que surgiu nos Estados Unidos nos anos 70, período em que o filme se insere, em que diretores e atores negros começaram a produzir uma série de filmes. As produções da época, como Coffy: em busca de uma vingança e Cleópatra Jones são citados em Infiltrados na Klan em diálogo entre os protagonistas.

O humor, a fotografia, a figuração e a cinegrafia do filme de Spike Lee remetem a essas produções em estilo e referências. Quanto ao gênero, a organizadora Hellen Stephanye revelou que apesar de criticar a sexualização da mulher negra nos filmes e apresentar personagens caricatos e estereotipados, enxerga no movimento como essencial na história da representatividade negra. "Foram os primeiros filmes que nos colocaram como protagonistas, não como serviçais, empregados e subordinados. Isso foi essencial para que pudêssemos chegar até aqui e é o que o Spike Lee retoma em seu filme." afirma a Diretora Geral do Cineclube Kalunga.

Fábio Souza Gomes, redator do Omelete, escreve em crítica sobre o filme sobre como os instrumentos do blackspoitation são responsáveis por fazer com que o filme fique mais leve, apesar das críticas presentes. "As críticas sociais do cineasta tem um efeito único, são capazes de fazer o espectador rir ao mesmo tempo que o deixa reflexivo e desconfortável.", escreve Fábio, "A obra está recheada de cenas onde o preconceito é representado de maneira caricata, mas o que parece loucura é um retrato cada vez mais próximo e fiel da nossa realidade atual.
Uma das cenas presentes no filme Infiltrado da Klan. Referência aos movimentos de câmera dos filmes do blackspoitation. Reprodução: Universal Pictures International France
O poder do riso
No debate após a exibição do filme, as discentes Luciene Dias e Tânia Rezende discutiram questões abordadas no filme a partir das próprias vivências como mulheres negras ao lado das organizadoras do Cineclube Kalunga. “É preciso discutir sobre a ocupação dos espaços pelas pessoas negras, sobre como precisamos chegar e nos fazermos presentes efetivamente, como o próprio protagonista faz.”, afirma a professora Tânia Rezende em sua fala inicial no debate.
Entre os assuntos discutidos entre a mesa debatedora e os participantes, a forma com que cada indivíduo lida com a comédia presente na obra foi um dos assuntos mais presentes. Os participantes do evento reagiram com risadas, aplausos e silêncios entre as diversas cenas do filme. Sobre isso, a professora Luciene Dias afirmou a respeito de como o riso compartilhado na sessão representou uma aproximação entre os indivíduos ali presentes. Além de termos uma convergência no riso, essa aproximação de hoje é absolutamente necessária, porque é importante que a gente se veja em todos os espaços e nós não nos vemos como pessoas negras na Academia.”, explica a discente e antropóloga social.
Professora Luciene Dias discursando na mesa de debate. Ao lado, a professora Tânia Rezende e as organizadoras do projeto Hellen Stephanye, Òkun e Josileide Veras. Foto: Cecília Fernandes
Em entrevista ao AdoroCinema, o diretor Spike Lee revelou que utilizar do humor para costurar a trama surge de um gosto pessoal, inspirado por outros cineastas como Stanley Kubrick e Elia Kazan. Para o diretor, é o equilíbrio entre o humor e a seriedade dentro de filmes com temáticas importantes é algo difícil de se obter, mas uma combinação que o agrada.



Na perspectiva da estudante e participante da sessão do Cineclube Kalunga, Karoline de Sousa, exibir um filme com o que ela chama de “humor de revanche”, em que a piada não se concentra nos homens negros, mas sim nos indivíduos brancos por meio de personagens estereotipados, é uma forma de ir além da discussão tradicional do racismo. “Os filmes raramente mostram esse tipo de humor, ou mostram de modo depreciativo em relação aos negros. O Spike Lee utiliza a linguagem de forma inteligente, se apoderando desse instrumento, como os cineastas brancos fazem em suas produções.”, completa a estudante de Linguística na Universidade Federal de Goiás.   
A próxima sessão do Cineclube Kalunga trará o filme “Moonlight”, do diretor Barry Jenkins, no dia 11 de junho, no Museu Antropológico da UFG. Para mais informações, acompanhe o Instagram oficial do projeto.

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