"Por que eu tenho esse cabelo?"

Por Cecília Fernandes - sábado, junho 20, 2015

foto por Madu (Além de Vestidos)
Alô, alô cacheados, crespos, anelados, lisos, curtos, longos, tingidos, naturais, carecas e rapunzéis do mundo afora!
Essa postagem é dedicada especialmente para vocês, homens e mulheres desse planeta azul e verde, pessoas que tem cabelos dos mais diferentes jeitos e são constantemente questionados sobre o motivo de mantê-los dessa maneira. Como vocês sabem meu cabelo sintetiza toda a energia, vitalidade e alegria que existe no meu coração, e eu me perco no número de vezes que as pessoas me vêm com aquelas frases indesejadas e desnecessárias enquanto mexem nele: 
Por que você não alisa?
Já pensou em fazer chapinha?
Estica ele todo, amiga
Você ia ficar linda se seu cabelo fosse melhor

Não sou obrigada, meu bem! 
Buscando abordar esse tema eu pedi ajuda a uma série de garotas incríveis com os cabelos mais amor que eu conheço e as mesmas dividiram comigo suas histórias e mudanças quanto o próprio cabelo e eu vou deixar aqui meu depoimento sobre os cachos que são parte de mim.
Espero que gostem tanto quanto eu gostei de fazer isso :)

Por que eu amo e tenho esse cabelo?
 Quando ainda estava no casulo aconchegante que era a barriga da minha mãe a mesma possuía lindos cachos longos e dignos de um conto de fadas, mas quando eu nasci todo esse encanto foi passado para mim como um presente ou uma herança. Meu pai diz que descobriu o que é amor paternal quando viu o primeiro cachinho despontar de minha cabeça quando ainda era muito pequena.  Durante minha infância as crianças do meu colégio perturbavam-me por diversos motivos, mas principalmente pelos meus cachos incontroláveis, puxando-os, bagunçando-os e brincando com eles como se fosse um objeto para ofensas e joguetes infantis. Minha mãe me acolhia e cuidava de mim repetindo quão linda eu era tendo cabelos como os que tinha, como criança eu não entendia o motivo daquilo, mas me sentia mal o suficiente para tomar a decisão de atormentar meus pais até alisa-los com uma longa progressiva.
Meu maior erro, de longe. Mas em compensação, um aprendizado.
O que era beleza tornou-se algo irreconhecível e feio. A vitalidade foi-se junto com minha melhor característica e transformou-se em algo igual ao do resto, simples e sem graça. As brincadeiras pararam, assim com o meu contentamento de tê-los saltitando enquanto andava, então com 9 anos eu peguei uma tesoura - cega - e o cortei totalmente torto forçando-me a tê-lo como de um garoto até que ele crescesse novamente. 
Depois de longos sete anos negando minha própria natureza, a ficha caiu. Hoje, no ápice da minha adolescência eu reconheço a beleza dos fios e os assumo com o maior sorriso no rosto, não há algo que me deixe mais contente do que sair com cada molinha aos ventos na rua sentindo a liberdade de ser quem eu sou na definição mais pura do conceito. Posso não ter o rosto ou o corpo mais bonito e muito menos ter o melhor cabelo, mas é esse que eu tenho e eu o amo como se fosse um filho.
Eu o amo quando embaraça, quando quebra meu pente, quando me faz acordar as 5h30 da manhã só para arruma-lo decentemente, quando molas perfeitas se formam no mesmo tornando-se um brinquedo, quando alguém faz cafuné nele mesmo sabendo que para desembaraçar será uma luta, quando minha mãe o beija antes dormir e quando meu pai o bagunça buscando um black power digno de um daqueles filmes antigos
Eu odeio quando os tomam nas mãos sem permissão, quando opinam sobre ele, quando o ofendem indiretamente, quando dizem que devo alisar, quando o ofendem diretamente, quando caçoam e brincam com ele e acima de tudo quando o chamam de "bombril", "palha de aço" e outros. Passei por trancos e barrancos suficientes com coisas assim e hoje respondo sem o menor medo: não faço, não aliso, não mexo, o cabelo é meu e o amor por ele também, faço faxina, mas não faço chapinha.

Depoimentos

"Por que você mudou ele dessa forma?"

"Na verdade, meu ruivo já desbotou um pouco. Eu preferi pegar uma foto em que meu cabelo estivesse longo, porque passei a maior parte da minha vida com ele assim. A decisão de cortar pela primeira vez, veio porque eu queria muito mudar, simplesmente porque achava que aquele corte não combinava comigo. Decidi assumir o curto e fiquei muito feliz com o resultado - tanto que nunca mais larguei. Já a pintura é eu resolvi testar porque adoro experimentar coisas novas e ainda quero ter muitas cores no cabelo só pela vontade, pelo humor, pela diversão. O ruivo sempre foi uma paixão - e não pretendo largá-lo tão cedo - e sempre quis tentá-lo, mas me dava um pouco de medo porque até então nunca tinha usado tinta nenhuma - meu cabelo era virgem. Passei um tempo com pontas loiras, fiz luzes (que detestei aliás) até finalmente criar coragem para pintá-lo de ruivo e o resultado foi uma surpresa: porque ficou bem natural e combinou muito mais comigo, parece que deu outra luz pro meu rosto. Várias pessoas vivem me perguntando se é pintado; uma vez a dona de um salão saiu lá de dentro só para me perguntar se eu era ruiva natural. Eu morro de vergonha, mas fico muito feliz em saber que as pessoas percebem quando você está satisfeita: porque acho que é por isso mesmo, fiquei tão feliz com a mudança que todo mundo encara "naturalmente" haha."

- Ana Lu (amiga da blogosfera)


"Por que um corte tão radical?"

"Bom, a ideia de cortar o cabelo já me passava pela mente há um tempo. Desde sempre eu tive os fios longos. E também desde sempre, vi minha mãe com o meu atual corte. Sempre achei maravilhoso. Gostava bastante do meu antigo corte, mas eu realmente queria mudar. Queria me ver diferente, pois eu estou diferente. Sempre me perguntei : "Como será que eu ficaria com o cabelo curtinho? Será que ficaria bom?" Para saber eu teria que cortar e bem, cortei. 
O resultado ficou melhor do que eu esperava. Muito melhor. E eu realmente amei o cabelo assim. Tanto quanto amava o outro. Estar em constante mudança exige atitudes corajosas, sei que muitas pessoas não fazem coisas assim por medo. Medo de ficar feio, medo de não sair como esperado, medo de críticas, medo de muitas coisas. Cabelo cresce! Arrisque-se. 
Se amar é o mais importante. Amar o seu cabelo também é. Hoje em dia é comum vermos garotas dedicando uma vida para alisar os fios afro, que são lindos. Caramba: assuma o seu cabelo como ele é.
Ame-o. Ame-se."
- Kimberly (discípula)

"Por que os têm assim?"

"Inúmeras vezes percebo que o estereótipo de beleza anda contra meus cabelos. Porém não ligo. Preso e/ou liso? Não! Gosto deles assim: cacheados, livres para ser o que são, bagunçados por natureza"
 - Paula pelas letras do namorado (melhor amiga)

"Mas seu cabelo longo era tão feminino"

"Então, eu realmente amo meu cabelo, já tive várias cores e tamanho, mas eram para saciar minha vontade de algo diferente, nunca passei mais de 5 meses com o mesmo corte ou cor, sempre estava mudando. Nunca cortei o cabelo tão curto como dessa vez, mas foi por uma causa diferente do que só uma vontade momentânea: eu doei meu cabelo para crianças e mulheres que lutam contra o câncer, foram quase 30 cm de cabelo. 
Sim foi uma baita diferença visualmente, muitas vezes fui confundida com menino, mas eu sabia que tinha sido por uma ótima causa, para que outras garotas se sentissem femininas e estou feliz com isso, saber que você pode proporcionar alegria a alguém, já vale muito a pena"
- Lydia (amiga)
"Muda esse cabelo, amiga!"
"Eu passei minha vida inteira brigando com o meu cabelo, na infância as pessoas da escola sempre me zoavam fazendo bullying comigo porque eu tinha cabelo cacheado e tudo mais e na adolescência isso não mudou muito. Por muito tempo eu tentei alisar, fazer escovinha, fiz muitas químicas no meu cabelo, mas nunca deu certo, daí a uns cinco ou seis anos atrás eu fui fazer uma escova progressiva pagando caríssimo e no final ela não funcionou.  Depois disso eu fiquei tão decepcionada que eu decidi parar de brigar com o meu cabelo, falei para o meu consciente: “Meu cabelo é cacheado, ele é assim e pronto” decidi que não ia mais tentar mudar isso e resolvi aceita-lo como ele é. Pra mim foi a melhor coisa que fiz na minha vida
Meu cabelo tem um estilo, ele tem uma história, ele tem outra função na minha vida além da estética. Meu cabelo é meu símbolo de luta, é o que me liga aos meus antepassados, que me lembra de que eu sou negra, que me dá forças para lutar contra o racismo. Meu cabelo cacheado, volumoso e grandão me mostra todos os dias que eu sou uma mulher negra que tem um dever com o meu passado, que eu tenho que ter orgulho. Meu cabelo é a minha forma de mostrar para sociedade que tenho orgulho de tudo que sou e que não abro mão do mesmo para ser só mais uma no meio de tantos lisos.
Eu não julgo quem opta pelo alisamento, não acho que as negras e negros que fazem isso sejam menos ou mais que eu, essa foi uma escolha que eu fiz e eu não abriria mão disso. Eu acho que quem decide aceitar e manter seu cabelo não está só se assumindo, mas está se afirmando como um cidadão livre, abraçando sua liberdade numa sociedade como a nossa. E isso é fundamental ao meu ver"
- Ana (segunda mãe)
"Liso que é bonito, garota!"


"Quando criança o que eu mais queria era ter o cabelo liso. Nunca conseguir ter os lisos tão desejados, meu cabelo sempre caia e eu, infelizmente, ficava sempre careca. Em compensação, hoje aprendi a cuidar dos meus crespos, e também sei que não sou obrigada a ser lisa, posso sim ser linda com meu crespo. Gosto deles assim por que essa é a Beatriz, essa sou eu, por que eu me orgulho da minha cor negra, do meu cabelo de negra.
A transição, a aceitação não é nada fácil, a autoestima some por uns dias, muitas pessoas te criticando e te julgando, te dando sugestões de como ficaria bonito uma progressiva ou uma escova, todas as pessoas querendo dar suas opiniões indesejadas. Enfim, eu hoje me gosto assim: toda crespa"
- Beatriz (amiga)
"Você é louca de cortar isso tudo?"

Meu cabelo simplesmente sempre foi o meu xodó, meu grande amor, era motivo de receber elogios e até inveja (nada legal) Sempre me deu o maior orgulho, todo lisinho que nunca me deu trabalho, fazia vários anos que usava ele longo chegando a bater no final da coluna, mas no auge da campanha de doação de cabelo eu decidi cortá-lo radicalmente, claro que não foi fácil desapegar de 40 cm de fios lisos e tão amados como os meus, mas de certa forma a cabeça ficou leve tanto fisicamente quando mentalmente por ter ajudado o projeto, assumo que eu me senti estranha, mas a sensação da doação, poder proporcionar perucas a quem não tem cabelo, deixar com que pessoas se sintam belas e amem seus fios como eu ameis os meus amenizou a agonia, até porque meu cabelo cresce super rápido, o que faz minha cunhada Cecília (linda dona do blog) me odiar, mas realmente rapidamente ele retornará ao tamanho anterior. É natural optar por algumas mudanças e abandonar os 40cm de cabelo com certeza foi uma das maiores para mim, mas sem dúvida a experiência foi ótima e no final ele ficou fácil de cuidar, simples de arrumar e bonito.
- Luiza (cunhada)
ps: o cabelo dela cresce igual capim
"Por que você não prende esse cabelo?"

"Eu amo meu cabelo porque ele é meu, me caracteriza, me permite ser quem eu quiser, com muito orgulho. meu cabelo é nó, história, cultura, tradição, e uma carga de preconceito alheio. Além disso, ele automaticamente detecta as pessoas legais: tem gente que olha e acha legal, tem gente que faz aquela cara de "que menina esquisita".
O meu cabelo é o reflexo da minha própria vida, com toda sua bagunça, confusão, mágica e beleza. Dos inúmeros motivos pra me apaixonar por ele, o maior é que ele me faz me aceitar como sou, com ele não quero ser ninguém mais. Meu cabelo, faz muito mais que me emoldurar, ele me representa."
- Júlia (amiga dos cachos lindos) 

"Por que tantas cores?"

"Smurf, Avatar, Algodão Doce, Hulk e por ai vão os diversos apelidos  que ouvi durante minhas “fases”, me considero totalmente apaixonada por cabelos coloridos e desde os meus 12 aninhos (hoje eu tenho 17) eu pinto o meu.
 No inicio sempre começa com apenas uma parte pequena do cabelo depois acaba se tornando um vicio que se espalha por todo ele. A primeira vez que eu pintei foram algumas partes de dentro do meu cabelo de rosa que aparecia mais quando eu o jogava para o lado. Eu adorava, chegava à escola me achando. Quando saiu a tinta rosa e algumas partes fiaram quase loiras foi bem na época que as californianas estavam na moda, e eu então resolvi que queria fazer californianas.  Minha mãe não quis me levar no salão e então eu acabei fazendo em casa, e o melhor é que tinha ficado até bom!
Assim que eu enjoei da californiana que eu mesma tinha feito, eu joguei um roxo nas pontas loiras.  Depois do roxo pintei de azul, rosa, amarelo... Isso tudo só nas pontas! Até que um dia eu resolvi pintar o meu cabelo inteiro, comecei com o roxo, depois com o azul, verde...  Só não o pintei todo de rosa (ainda).
Após de quatro anos da minha vida colorindo as madeixas, resolvi pintar ele de ruivo e o ruivo foi o que mais durou, ele durou quase um ano! Esse ano eu resolvi voltar pro roxo e pintei por cima do ruivo. Agora que o ruivo está voltando, minha tia querida fala pra mim a seguinte frase “Porque você nunca pintou o cabelo de loiro? Tem tipos de loiro que fica bom para morenas!” Eu nunca na vida tinha pensado em ficar loira, mas agora ela colocou isso na minha cabeça. Quem sabe, né?

- Kamila (mulher de fases)


No final de tudo, cabelo é sinônimo de identidade. Não importa a cor, o estilo, o corte, os cachos ou o liso, os fios que despontam das cabeças de homens e mulheres desse mundo é o que os torna humanos, o que permite que eles sejam livres, o que os caracteriza. 
Por muito tempo eu odiei meu cabelo e hoje o abraço com o maior amor do mundo, com essa postagem eu busco alcançar as pessoas que fazem de tudo para esconder a natureza de seus fios e mostra-los que tem sim como ama-los como são.
E vocês, por que amam o cabelo?

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