O verdadeiro significado do Natal

Por Cecília Fernandes - sexta-feira, dezembro 29, 2017


Eu sou espírita desde os meus nove anos de idade e frequento o mesmo Centro Espírita desde que me reconheço dentro dessa religião. Todos os anos ocorre uma movimentação tremenda pelas mais de quatrocentas pessoas que fazem parte do corpo do lugar em relação às atividades voluntárias e trabalhos de caridade lá realizados, na metade do mês de novembro e no início do mês de dezembro, acontece no meu Centro (Centro Espírita Grupo André Luiz, ou CEGAL para os íntimos) a campanha natalina de arrecadação de alimentos para a montagem de cestas básicas.

Como funciona o trabalho?
Inicialmente reúne-se as turmas dos estudos doutrinários realizados na casa, em prol da arrecadação de alimentos que são pré-determinados em tipo e quantidade. É estabelecido uma meta de alimentos para cada sala a fim de que todos auxiliem no objetivo final e estejam presentes no dia para realizar a montagem das cestas (exemplo para melhor entendimento: nesse ano, minha sala teve a meta de arrecadar 1000 unidades de café). Desta forma, também estabelece-se uma meta de cestas a serem montadas, e a desse ano foi de 1500 cestas a serem distribuídas nas unidades parceiras do meu Centro, nas regiões periféricas, mais necessitadas de Goiânia e também em outras regiões requisitadas para entrega no Natal.

Arrecada-se alimentos até alguns dias antes da montagem marcada previamente no calendário de atividades do Centro, em outra data inicia-se o recebimento destes alimentos que são armazenados e contabilizados para o dia da montagem. Quando é chegado o dia, parte dos trabalhadores começam mais cedo na intenção de distribuir todos os alimentos pelo pátio a fim de organizar postos de trabalho. Em cada uma das pilastras da escola - local em que residem as atividades do CEGAL - coloca-se um tipo determinado de alimento, de forma a criar uma linha de montagem.

É um trabalho de formiguinha, como costumamos dizer. É feito em dupla, cada dupla recebe um saco enorme e começa a caminhar pelo pátio enquanto os alimentos preenchem a sacola nestes postos de trabalho, em que ficam outras pessoas colocando a quantidade certa de arroz, feijão, macarrão, óleo e outros alimentos dentro da cesta de cada dupla. No final dessa linha de produção existem pessoas que fecham as cestas e outras que as separam em cada pilha para sua respectiva distribuição e contagem no total montado. O trabalho como um todo é realizado até que não tenham mais alimentos para preencher todas as cestas. Mesmo com vários trabalhadores indo e voltando de mercados e atacadões de Goiânia para preencher as faltas com o dinheiro arrecadado e doações voluntárias, em uma hora da noite, a produção é interrompida.

É uma atividade exclusiva da minha religião?
Não, o convite é realizado para todas as pessoas que tenham vontade e intenção de realizar caridade. Esse ano, além de outros Centros participando, existiram pessoas de outras religiões auxiliando ativamente no trabalho. Nos anos anteriores, a presença de grupos não vinculados a alguma religião específica esteve em peso, uma das melhores características deste trabalho é a forma com que ele une pessoas diferentes, estendendo laços de amizade. 

Mesmo que você leve algum conhecido e comece o trabalho com ele, existe uma enorme possibilidade de você acabar trocando de dupla, ir para um dos postos de alimento ajudar a preencher as cestas, carregar peso, fechar cestas, auxiliar na montagem e por aí vai. É uma atividade extremamente dinâmica que não conta exclusivamente com a sua fé, mas sim com a sua disposição e sua vontade de fazer o bem ao próximo.

Sempre tomo a iniciativa de levar alguns amigos, de convidar pessoas que tenham interesse por ajudar e considero uma excelente oportunidade de descobrir mais sobre esse tipo de trabalho aqui na minha cidade. Convido amigos de outras religiões para conhecer o espiritismo em sua forma prática, reconheço o preconceito existente em torno desta doutrina, mas reconheço ainda mais o bem estar que participar dessas iniciativas de caridade gera nas pessoas, independente de crenças ou limitações pessoais.

Existe a manifestação da fé nesse trabalho?
Sim e é um dos momentos mais lindos do trabalho todo. No início das atividades, é realizada uma prece inicial para harmonizar os trabalhadores presentes, feita de forma a contemplar tanto o espiritismo quanto as outras religiões. Nessa prece fala-se muito sobre gratidão, caridade, amor e as intenções das pessoas ali reunidas, buscando entrar numa boa sintonia e trabalhar energeticamente o local. A prece, realizada no começo, no intervalo do trabalho e na conclusão deste, é um momento em que conversa-se não somente com Deus, mas com as pessoas presentes sobre valores que a campanha busca despertar, sempre agradecendo pela presença e pela contribuição de todos os envolvidos.

Digo que é um momento lindo porque percebe-se a conexão mental entre as pessoas que estão ali, mesmo que pertençam a religiões, cidades ou classes sociais diferentes. É notável que no momento em que se concentram em fazer o bem, os rótulos e as diferenças tornam-se insignificantes perto da capacidade de ajudar, isso é uma das coisas mais valorosas em relação a essa atividade, na minha opinião. 


E quanto as doações?
Apesar da arrecadação ser feita antes da realização da campanha, no dia da montagem, diversas doações são recebidas. Durante a atividade deste ano, o número de caminhões e carros estacionando no portão do Centro para entregar fardos e fardos de doação surpreendeu a todos, auxiliando na demanda de produtos nas cestas. Além disso, com o auxílio de participantes, a busca por produtos que começaram a faltar foi imensa, muitos indo para os mercados da região a fim de preencher a necessidade durante o trabalho realizado.

O mais incrível desse ano, na minha opinião, foi ver o engajamento de pessoas de fora do Centro e das turmas. Uma amiga conseguiu mais de 560 unidades de café somente de doação por realizar divulgação em redes sociais, faculdade e no trabalho, não tirando dinheiro do próprio bolso por conta da contribuição de terceiros. Aqueles que não puderam contribuir monetariamente para a compra de produtos, foram atrás de trabalhadores dispostos e retiraram produtos de dentro de casa para ajudar numa campanha maravilhosa.

Mas é só trabalho?
Não, durante a atividade rolam músicas religiosas e músicas com mensagens importantes, as pessoas cantam, dançam e se divertem durante o trabalho, se envolvendo na sintonia transmitida pelas canções. Meu Centro valoriza a música e a arte como forma de trabalhar a energia nos ambientes e transmitir ensinamentos, por isso, todas as atividades da casa são acompanhadas com alguma manifestação artística. Juntamente da música, existe muita conversa positiva, troca de conhecimentos, abraços e uma união que literalmente faz a força, considerando que na hora de transportar as cestas montadas é realizada uma enorme fila em que estas vão passando de mão em mão até chegar no local em que serão contabilizadas e transportadas, é um momento de muita força, mas também de uma energia incrível. 

Uma das coisas mais fofas desse trabalho são as crianças colocando a mão na massa. Em diversos postos de trabalhos, as crianças protagonizam a contagem de produtos, a distribuição nas cestas e trabalhos leves em que queimam toda a energia da idade deles. Consegui capturar uma das crianças que parecia mais quieta, pois todas as outras imagens se mostraram tremidas já que os modelos não pararam nem para posar para mim #magoada, mas tudo bem. O importante foi vê-los representando a futura geração de trabalhadores do Natal, quem sabe? 

Um ponto que tem se desenvolvido com o passar dos anos da campanha é o lanche feito no final do trabalho, um momento de confraternização entre os trabalhadores que ficam até a conclusão, logo depois da prece de fechamento e dos abraços trocados. Nesse momento, além de repor as energias com vários tipos de quitandas, existe um enorme sentimento de dever cumprido no lugar, sobrepondo o cansaço e o suor com sorrisos e conversas leves. É nessa hora que é feita a contagem final das cestas e as últimas considerações pelos coordenadores do Centro a respeito da campanha, com longos agradecimentos e uma mensagem transmitida por um dos chefes da casa sobre o natal. 

Qual a minha parte favorita do trabalho?
As pessoas, sempre. Quem me conhece sabe o tanto que eu gosto de conversar, me envolver, me relacionar e conhecer pessoas. Acredito que esse trabalho me permite fazer tudo isso, é maravilhoso poder ver tanta gente sorrindo e se unindo pelo bem comum, poder conversar com indivíduos diferentes em vários aspectos que entram em outra energia durante a montagem de cestas. Gosto de como sair dessa campanha trás um cansaço que parece lavar a alma, como a dor nos braços ou nas pernas não se compara com a satisfação por saber que muitas famílias vão ter um Natal melhor graças ao trabalho que ajudei a realizar. Gosto principalmente dos abraços finais, das várias pessoas alegres por terem concluído uma atividade tão bonita.

Qual o verdadeiro significado do Natal, dentro desse contexto? 
O verdadeiro significado do Natal para mim é esse, a união de pessoas felizes e dispostas a fazer o bem. Tenho buscado ressignificar o Natal, a partir de novas tradições e hábitos que ampliem o sentido que essa comemoração tem para mim, indo além do cunho religioso e familiar para alcançar os efeitos interpessoais obtidos com essa data. Fazer parte de campanhas de caridade como essa, ao lado de amigos e pessoas incríveis que conheci dentro do Centro, me auxilia a encontrar novas perspectivas acerca do que é o Natal de verdade. 

Dentro de uma sintonia positiva como a obtida durante a campanha, me sinto conectada com o verdadeiro clima natalino, podendo além de tudo concluir o ano fazendo o bem a quem precisa, estendendo laços fraternos e ampliando meu círculo de amizades através do conhecimento e do reconhecimento de pessoas boas. A partir desse trabalho, sinto que consegui me conhecer muito melhor, descobrindo na caridade uma prática dos meus valores pessoais, trabalhando meus defeitos e compreendendo quem eu sou em espaços como esse. Além de tudo, consegui mostrar a amigos que foram comigo em algumas campanhas uma outra face do espiritismo e uma forma de fazer o bem.


No começo da postagem, disse que a meta a ser buscada eram de 1500 cestas básicas, a serem distribuídas nas unidades parceiras do Centro e nas regiões necessitadas ao redor de Goiânia. Durante as seis horas de campanha, foram montadas 2162 cestas básicas para o Natal, levadas aos respectivos locais depois da contagem e distribuídas no dia seguinte por mais trabalhadores. Embora eu não tenha ficado até o final, receber a notícia do número total me deixou extremamente feliz e grata por fazer parte de uma atividade tão incrível.

Não busco com essa publicação doutrinar a partir da minha religião ou convencer algum leitor do meu ponto de vista, desejo apenas divulgar um trabalho que gosto muito de participar e a partir dele trazer a tona uma discussão sobre o que realmente o Natal significa para mim. Faço parte dessa iniciativa há vários anos, optei por trazer esse tema ao blog por me sentir confortável em compartilhar meus valores e atividades aqui no Literamaniaca. Agradeço a cada uma das pessoas envolvidas nessa campanha de 2017, espero continuar com esse trabalho e torço para que essa postagem provoque uma reflexão em quem a ler.

Feliz natal e uma excelente conclusão de 2017 a todos 

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