Precisamos falar sobre a educação

Por Cecília Fernandes - quarta-feira, outubro 12, 2016


Eu costumava pensar que o vestibular seria simplesmente uma fase da vida que iria passar por mim sem cobrar além do necessário, mas hoje, no penúltimo ano do ensino médio, já não tenho tanta certeza assim. A realidade é bem diferente do que eu imaginava que seria antes de ser colocada nesse turbilhão que envolve o processo de ingresso em uma universidade, e como era de se esperar, eu não estava preparada.

Chega um momento em que você não pode adiar o pensamento de que seu futuro será marcado num cartão-resposta e escrito em uma folha de redação com trinta linhas, chega um momento que você já não pode mais protelar o senso de responsabilidade, enrolar com os deveres escolares, deixar para estudar na véspera da prova ou dormir à vontade, chega um momento que você deve acordar e perceber o quão trágico era o sistema em que nós, os estudantes de todos os graus, estamos inseridos.

A primeira percepção que captei foi após receber meu boletim, repleto de boas notas, daquelas que orgulham tanto a minha família quanto a escola, e que, mesmo assim, não fazia a mínima ideia do conteúdo que havia sido cobrado nas provas que me resultaram aqueles números no papel. Percebi naquele instante que estávamos aprendendo, sentados numa sala de aula durante seis horas com intervalos curtos, a decorar e não a realmente estudar. Na verdade, estávamos aprendendo a copiar o que estava no quadro e engolir aquela matéria a fim de tirar uma boa nota. Verdadeiramente aprendendo a copiar dos computadores nossas “pesquisas” e entregar ao professor apenas para que um sinal de mais fosse desenhado ao lado do nosso nome na sua planilha.

A sensação de que permanecemos, entre outras coisas, decorando fórmulas e repetindo-as inúmeras vezes minutos antes da prova apenas para, desta forma, perdemos toda a noção da matéria segundos após entrega-las de volta. Estávamos mesmo repletos de livros, apostilas, listas, tarefas, trabalhos e apresentações que pouco agregavam àqueles que se viam atolados de matérias acumuladas a todo instante.

Não que eu e meus amigos não tentássemos deixar de procrastinar e revisar todo o conteúdo necessário para o nosso aprendizado, não que nós não tentássemos absorver as matérias dadas e realmente internalizar o que nos era passado, mas no meio das vinte frentes acadêmicas que compõe nosso currículo escolar acabamos percebendo que compreender as diferenças entre as briófitas, pteridófitas, angiospermas e gimnospermas, saber usar todas as fórmulas de ondulatória e de geometria espacial enquanto lembra as datas e as características mandatos de cada Presidente do Brasil desde a República Velha até os dias atuais e sabemos dissertar sobre os mais diversos temas sociais não era possível como desejavam que fosse.
A segunda coisa que percebi é que aquela turma animada que havia ingressado o ensino médio no ano anterior, repleto de sonhos e expectativas quando ao que viria no final dos três anos, estava aos poucos se desfazendo. Muitos daqueles que estudavam comigo haviam mudado de colégio na tentativa de passar de ano, outros que ainda persistiam se mostravam cada vez mais abatidos, uma das minhas amigas mais próximas revelou durante uma das nossas conversas na aula de física que se sentia cansada por tomar os remédios que tomava, desde as vitaminas D para repor a falta de sol em contato com sua pele pálida até outros para controlar sua perda de peso e a queda de seus cabelos como consequência do estresse.

Eu nem ao menos imaginava que a garota que via todos os dias na minha frente passava longas horas enclausurada num quarto estudando idiomas e todas as matérias escolares, nem ao menos suspeitava que ao redor de mim existiam mais pessoas adoecendo na tentativa de alcançar a tão sonhada vaga do vestibular, existiam pessoas sentindo na pele, literalmente,  a pressão que os era imposta tanto pelos pais quanto pela própria mente. Tão pouco que existiam alunos acreditando que realmente não possuíam luz própria quando se colocavam diante da enorme quantidade de concorrentes, alunos deixando seus talentos e seus finais de semana de lado para poder se concentrar no rumo que supostamente seus futuros iriam levar.

Estávamos ali, tão focados com as notas no nosso boletim escolar, com a nossa posição na lista de aprovados que deixamos de lado a nossa própria juventude a fim de estudar, abrimos mão das nossas aptidões para passarmos a saber manusear as habilidades cobradas no vestibular e nada será feito contra isso, contra essa robotização que está acometendo a nós mesmos. Já dizia Albert Einstein que “somos todos geniais, mas se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em árvores, ele passará a vida inteira acreditando ser estúpido”, mas não é essa a verdade considerada pelos métodos avaliativos atuais.

Nos disseram diversas vezes que o estudo e o trabalho dignificam o homem, que o caminho para alcançar o sucesso era aquele mesmo, que aquilo era uma fase e era completamente normal sentirmos o que estávamos sentindo, que ao final todo o sacrifício iria se transformar na felicidade de fazer uma boa faculdade. Porém, diante dos universitários que voltavam a fim de visitar a escola, eu percebi também que aquilo tudo não tinha prazo para acabar. Durante o diálogo com ex-alunos, agora universitários,  pude perceber que a realidade deles era composta por falta de sono, má alimentação, horas de conteúdos que eles deveriam ir atrás para estudar e um afastamento familiar terrível.

Pois bem, foram eles mesmos, os universitários, que me disseram que o ensino médio é incrível, e eu pude sim discordar. Não acredito que essa fase seja uma tortura, mas hoje sei que não é também um mar de rosas ou algo bom de se lidar, acredito que tudo tem um lado positivo, mas entre listas e livros fica difícil parar para pensar em quais são os pontos positivos de se estar no meu lugar.

Não quero parecer pessimista, infeliz ou deprimida, minha intenção com esse texto é tentar mostrar que a realidade dos estudantes não é fácil ou prática como fazem acreditar. Quero, na verdade, que parem para entender que muitas vezes os jovens sorridentes dos outdoors da cidade com várias aprovações sacrificaram sua saúde e talvez a própria felicidade momentânea afim de ingressar nas faculdades e seguir o mesmo ciclo interminável: entrar e concluir a faculdade com um curso que os faça enriquecer, conseguir um emprego que os cobra longas horas de trabalho para conseguir dinheiro, depois casarem com seus parceiros, logo em seguida construir uma família, colocar os filhos nesse sistema de educação, bancar uma boa aposentadoria e ver a próxima geração inserida nessa mesma fantasia de que seguir um planejamento retilíneo, que mostram ser este  o único caminho para se ter uma boa vida.

O sistema nos quer passando, mas raramente pensando ou questionando como alguns de nós ainda tenta fazer. O sistema nos quer estudando, tomando pílulas que repõem a falta de sol, a falta de nutrientes e até a falta da vida que perdemos para poder aprender. Ele nos quer conquistando excelentes números numa folha de papel de uma boa instituição escolar, mas quase nunca sabendo articular com as informações tendemos a acumular. Eles nos querem em filas, com posturas corretas, olhos concentrados nas folhas, uniformizados e massificados como um conjunto de robôs que sabem copiar, que sabem decorar, que sabem repetir, mas nunca como indivíduos que sabem discutir e defender seus próprios ideais.
Novamente o sistema, que suga desde os educadores até os aprendizes, nos faz acreditar que a porta para o nosso futuro pode ser alcançada por meio de uma alternativa correta e bem marcada no gabarito da prova, ele nos priva de professores com opiniões próprias e também os transforma em um canal de informações brutas e grosseiras, nos priva da individualidade e também da liberdade que deveria ser um direito inalienável. Estamos todos colapsando, leitor, não sabemos criar opiniões próprias, portanto não sabemos como mudar, não sabemos questionar, portanto não sabemos como revolucionar. 

Perdemos nossos conceitos para as redes sociais, que maquiam a realidade que vivemos, perdemos nossos pensamentos para as televisões e para aquilo que repetem desde que somos crianças até nos tornarmos adulto, perdemos nossas identidades para essa alienação constante. Até quando deixaremos que o sistema enjaule os jovens, enclausure nossos sonhos, nossas possibilidades e nossas vontades? Até quando vamos investir nos nossos futuros, abrindo mão de uma fase cheia de oportunidades como a adolescência, para termos a estabilidade que a sociedade nos faz procurar? Até quando a segurança de um futuro padronizado vai ser sinônimo de felicidade e de um falso bem-estar?

A solução não é aumentar a carga horária dos próximos estudantes que continuam caminhando na esteira que estamos desde que ingressamos na escola, não é eliminar a obrigatoriedade de algumas matérias – matérias que nos fazem pensar como sociologia e filosofia - e também não é ingressar os alunos numa educação integral que toma ainda mais de seu tempo para que os mesmos aprendam como cozinhar, costurar ou desenvolver habilidades do gênero. A solução é pararmos essa esteira e mudar a mesma por meio de uma reforma, por meio de uma mudança completa que atinja do começo ao fim da educação que nos é imposta, é deixar que os alunos caminhem com suas próprias pernas, com suas próprias mentes e ideias, é dar voz aos sonhos e não somente aos planos, é não marginalizar ou excluir aqueles que não tiram boas notas, mas são incríveis em outras áreas. É fazer dos estudantes e dos jovens, que são vistos como “futuro da nação”, algo que vá além de um tijolo na parede como somos hoje.

Por isso eu digo que sim, estão nos cansando, mas isso não é motivo suficiente para me fazer desistir de tentar mudar o espaço que eu e outros jovens estamos atualmente, eu faço esse apelo tão longo a qualquer um que possa ouvir: precisamos rever nossos conceitos e a mudança começa individualmente dentro de cada um. Eu, pelo meu lado, começo por mim.
Escrito por: Cecília Fernandes
Editado e revisado por: Marcus Vinícius

fontes e inspirações

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