Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie

Por Cecília Fernandes - sexta-feira, setembro 08, 2017


Alô, alô vocês
No momento em que terminei de ler Americanah, decidi escrever sobre o racismo, essa palavra pesada e cortante. Confesso que nunca parei para pensar sobre o assunto, até encher-me de vídeos acerca do tema e ler esse enorme livro de uma das melhores mulheres que já andaram sobre esse planeta, retratando através de um romance nigeriano a realidade do racismo nos Estados Unidos e provavelmente no mundo inteiro.

Por que eu nunca parei para pensar profundamente sobre racismo até o momento em que escrevo esse texto? Talvez pelo falo de ter sido nascida e criada numa família de classe média alta, o que invalidou muito a questão da cor da minha pele nas relações sociais. Talvez por ter deixado todos os comentários maldosos passarem por mim como brincadeiras. Talvez por ter aceitado que eu sou “morena” e não negra como muitos me disseram durante a vida inteira, até eu perceber que isso era só uma maneira de não problematizar que minha pele é mais escura que a pele das crianças que convivi durante a infância. Como se fosse uma benção eu nascer “mais clarinha” que meus avós e bisavós. Talvez nunca tenha falado sobre isso por não ter pensado no impacto do racismo na realidade.

Eu acreditava de verdade que a escravidão havia acabado e a raça humana era a única que importava. Até perceber que isso pode acontecer entre pessoas do meu convívio, negros que são bem-sucedidos como advogados, engenheiros, chefes de empresa e afins, mas não para as pessoas de classes baixas que são diariamente humilhadas porque o código genético fez com que sua cobertura fosse diferente da cobertura que a sociedade normalizou. Após assistir os vídeos sobre o assunto, pude identificar que, assim como a maioria dos aspectos sociais, o racismo também foi modernizado.

É fato que a mídia cultural coloca, em sua maioria, os negros como mordomos, empregadas domésticas, motoristas e faxineiros em séries e novelas, que os negros são sempre os bandidos nos filmes policiais, que uma produção cinematográfica faz mais sucesso com o uso da imagem do negro, do gay ou do deficiente e muitas vezes apela colocando esses três juntos na mesma pessoa da forma mais estereotipada possível. Entretanto, depois de ouvir mulheres fortes e homens incríveis dentro e fora do meu país falando sobre o racismo, a questão passou a não ser somente incômoda como praticamente impossível de engolir.

A chibata é silenciosa, sutil e ainda assim extremamente maldosa. Essa chibata arde quando um motorista de táxi passa direto pelo meu irmão porque ele está sozinho, quando um amigo é parado por um policial por ter o “perfil de um ladrão” numa determinada região, uma menina diz que não posso ficar na roda de conversa porque minha pele é “suja”, um jogador de futebol é chamado de “macaco” por um estádio inteiro, uma mulher só pode subir até um determinado cargo numa empresa por causa da cor de pele ou quando a mídia idealiza a mulher perfeita como uma negra de corpo escultural, impondo um padrão anormal de beleza que praticamente obriga toda mulher negra a ser igual.

O racismo que impediu negros de usarem o mesmo banheiro que brancos, que impediu escritores e cantores brasileiro de serem reconhecidos por tantos anos, que dividiu países inteiros não se configura como é o atual. O racismo de hoje é maquiado, até porque ninguém quer assumir que é racista - mesmo usando termos como “afro-brasileiro”, mesmo falando em qualquer discussão sobre raça a frase: “eu tenho até um amigo negro” - que na realidade é mestiço com outras nacionalidades, mas tem uma tataravó negra -. O racismo de hoje não me parecia real, porque para mim era normal passar pelos lugares e receber olhares simpáticos, porém, por que o mesmo olhar não era dado para uma empregada negra que passava no supermercado no caminho de casa quando ela entrava no local? 

Eu poderia escrever um livro sobre racismo, e talvez um dia eu escreva. Eu não conheço todas as nuances que o caracterizam, eu não o vivi tão intensamente quanto os homens que escrevem letras de músicas incríveis sobre o assunto, quanto as mulheres que hoje vão à luta erguendo suas histórias de vida como armadura, quanto as crianças que sentem isso todos os dias sobre as costas, mas é a empatia que me faz sentir um arrepio na minha pele por pensar que todos os dias o racismo mata, o racismo machuca e sufoca pessoas maravilhosas. É a empatia que alimenta a revolta de saber que o racismo simplesmente ignora que apesar do tom de pele, o sangue que escorre no chão das ruelas e favelas é da mesma cor do sangue do agressor que fere com uma arma, ou fere com uma palavra na internet.

O racismo é real, a chibata é real, a senzala continua real. Uma youtuber maravilhosa, que discute questões de raça, afirmou em sua palestra que enquanto nossa mente continuar sendo condicionada por preconceitos antigos e entrelaçados na nossa história, o racismo vai continuar existindo como sempre existiu. Ele não precisa ser real na agressão, porque já basta ser real na opinião, no pensamento e em qualquer ação.

Essa é a mais pura verdade existente acerca do racismo: ele tomou conta da nossa mente desde o princípio da diversidade entre as pessoas, tem se alastrado como um vírus que só pode ser combatido por nós mesmos e tem se acomodado de tal forma que muitas vezes nem percebemos que sentimos medo ao vermos um negro na rua, que sentimos nojo ao vermos uma mulher negra posando nua, que alimentamos sentimentos negativos por qualquer tom de pele escura.

Americanah me ensinou mais sobre uma realidade que eu nunca senti tão vividamente quanto a autora da obra, transmitindo mensagens importantes sobre imigração, preconceitos, aceitação pessoal, etnia e temáticas que teceram a vida dos personagens do romance. O livro, publicado no ano de 2013, transcende a época em que foi escrito através de uma discussão que precisa ser trazida à tona entre as pessoas, não somente como uma forma de conscientização, mas como uma ferramenta que possa desconstruir padrões de pensamentos racistas fomentadores da violência. 

Dados:
Nome: Americanah
Autor: Chimamanda Ngozi Adichie 
Editora: Companhia das Letras
Lançamento: 2013
Nº de páginas: 516
Classificação: 

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